Ao Mestre Pequeno Príncipe com Amor


“Quando olhares o céu à noite eu estarei habitante uma estrela, e de lá estarei rindo; então será, para ti, como se todas as estrelas rissem! Dessa forma, tu, e somente tu, terás estrelas que sabem rir. E quando estiveres consolado (a gente sempre se consola), tu ficarás contente por teres me conhecido. Tu serás sempre meu amigo. Terás vontade de rir comigo. E às vezes abrirás tua janela apenas pelo simples prazer… E teus amigos ficarão espantados de ver-te rir olhando o céu. Tu explicarás então: “Sim, as estrelas, elas sempre me fazem rir!” E eles te julgarão louco. Será como se eu lhe houvesse dado, em vez de estrelas, montes de pequenos guizos que sabem rir.”  O Pequeno Príncipe

Hoje é o sétimo dia da passagem de um iluminado. E detalhes da vida dele urgem em mim serem contados, porque se cada um que escuta não diz o que ouviu, como os que ainda não aprenderam a escutar saberão destas verdades? É importante servimos este propósito, cada um de nós. O amor não pode permanecer só nos nossos quintais, deve estourar nossas cercas. Ir além dos nossos muros. Através de nossos corações.

Além dos acontecimentos que orbitam em torno de um resgate, existe também algo subliminar, de importância elevada – tanto quanto a vida dos que nos são caros. O sublime é o que tentamos registrar aqui, nestas breves linhas, usando limitadas palavras que diminuem o que sentimos, mas ainda são capazes de incitar poemas. Cada resgate de um deles é também um nosso, pois somos provocados a penetrar e transitar em nós mesmos, nos lugares sombrios e iluminados que o outro como espelho nos conduz à visão.

Mestre Pequeno Príncipe chegou até nós como um bicho bode com deficiência ortopédica que pensamos, no pior dos casos, poderia viver conosco em cadeiras de rodas – modelo cross e com banco ejetável, paraquedas! Tudo pensando não só nele, mas nas brincadeiras e alegrias que teríamos todos juntos – Mestre Bode Hipócrates incluído. E ríamos felizes, até ingênuos, sem saber que o destino nos guardava outros planos e acontecimentos.

Como é a história de todo menino filho de uma escrava de leite, Mestre Bodinho Pequeno Príncipe seria assassinado – como foram seus irmãos. Mas a deficiência o salvou. E quem o salvou? Alguém que despertou. Ou que ele despertou precisamente colocado. Mestres do amanhecer de novos dias.

Este bicho gente, que até certo ponto do caminho não detinha opinião sobre os “negócios” da família – ainda que tímidos e até artesanais, como as pequenas produções são. O mais doído é que nestas menores escalas da indústria do leite instalada a contragosto na mama das exploradas, é que existe amor, fragmentos dele. Amor que dói. Porque aprisiona o outro no compromisso de fazer quem é servido feliz, mesmo que este não veja se quem o serve é feliz.

Então os amados comiam nas mãos da família que os criava. Demonstravam amor. Confiavam. E um dia qualquer, aquelas mesmas mãos separavam famílias, mães e filhos, roubavam leite. Impactavam o emocional e físico da matriarca a tal ponto que futuras gravidezes seriam comprometidas – já que em todo bicho mulher, de qualquer espécie, a mãe cede cálcio de seus próprios ossos se preciso for. E eventualmente, se não tem nem na alimentação nem no corpo o que busca, gera filhos deficientes. O estresse também as acomete grandemente. A relação entre mãe e filho é pessoal e intransferível – para mamíferos? Não. Incrível, mas a ciência estudou as árvores e notou nelas próprias esta relação. O filhote se alimenta através das raízes da mãe! E nós aqui pensando que só nossa mãe é a melhor do mundo! Tudo que vive tem mãe. É concebido. Por isto é Mãe Terra, porque tudo aqui vive a partir da Mãe. Que é força cósmica criadora. Maha Shakti.

O ponto é que a situação comum na indústria do leite segue em voga – a degeneração do corpo da mãe por fatores variados. Que ninguém realmente se importa a ponto de mudar a situação – pois os facilitadores dela teriam que abrir mão dos benefícios, “produtos” que recebem, mesmo que para usufruir deles sejam cruéis justamente com quem os provê. Isto não quer dizer que não devotem dó a eles. Devotam. Muita. Só não compaixão. Na mentalidade de uma vasta maioria de encarnados bicho gente, a informação não surte efeito. Tamanha a insensibilidade que alcançamos. Pensar tornou-se mais importante que o sentir. Pensar grande, competir, gerar lucros. Com o coração ausente, vítimas presentes.

Ainda assim este coração transformado em pedra, sangra quando consegue algum alento de vida. E na dor brada socorro junto aos sofredores, como se nós mesmos fôssemos um deles. Talvez porque sejamos. Quiçá porque em algum lugar furtivo em nós se escondam dores que necessitam ser vociferadas, quem sabe ao vermos os agredidos nos lembremos de nossos agressores – e do sofrimento que percorremos por não tê-los amado incondicionalmente. Então lutamos por aqueles que sofrem, sem sabermos que tantas vezes, lutamos por nós mesmos. Porque aliviar a dor deles, alivia a nossa própria. Força nossas curas. Entrevê nós mesmos. Alguns de nós conseguem salvar só ao outro, iluminadas grandes almas que por vezes descem ao mundo. A maior parte de nós se salva através do outro. Benditas são todas as nossas relações. Inclusive a que temos com bicho animal. A que bicho animal tem conosco os salva na carne. A que temos com eles, salva a nós no espírito.

Então não saberia dizer ao certo quem salvou quem, mas o fato é que Mestre Pequeno Príncipe tinha uma rosa! E as rosas, já disse o Príncipe, eram contraditórias. Mas porque dispendeu tanto tempo com ela, tornou-a especial. Assim nos deixou Saint Exupery.

O nome do botão bicho gente que desabrochou em flor será Rosa nesta história, que é a ativista que o salvou. Ou que ele salvou como dissemos. Talvez por amor tenham se salvado mutuamente, pois nossas missões não se realizam só entre bicho gente, mas em comunhão com toda criação. Rosa era controversa como todos somos, porque sentimos o mal estar do outro, mas nem sempre agimos por ele. Nosso Pequeno Príncipe salvou Rosa da inconsciência. E em troca, Rosa levou nosso Pequeno Príncipe ao trânsito de outro planeta. Visivelmente não era daqui. Nenhum de nós é. Somos todos forasteiros. Alienígenas! Esta não é nossa casa. Aqui é breve travessia.

“Tu te tornas eternamente responsável por aquilo que cativas.” 
O Pequeno Príncipe

Rosa o tirou de sua mãe e o criou na mamadeira, como se ela mesma fosse a mãe do nosso Mestre Pequeno Príncipe. A mãe de Rosa não sabia do amor deles. Precisamente isto. Não a mãe do nosso iluminado, mas a mãe dela! Sim. A mãe de Rosa criava mestres caprinos. E nós não estamos aqui para julgar ninguém, só para contar histórias de amor e de despertares.

Ocorre que Rosa descobriu um amor até então estrangeiro para ela naquela magnitude. O amor por bicho animal. Este amor conduziu a cuidados inimagináveis por um ano inteiro – que incluíam não mais de três horas consecutivas de sono para levantá-lo ou deitá-lo. Cuidados que não contavam com os recursos médicos necessários, nem com condições apropriadas. Suas perninhas que no começo eram tortinhas começavam a calcificar e os danos, inimagináveis ali, seriam irreversíveis.

Alguém poderia dizer que se ela o tivesse levado antes o teria salvo. Mas quem poderia dizer que sem seu amor ele teria sobrevivido? Ninguém sobreviveu. O Mestre Bodinho que conhecemos já não era aquele de um ano. E a Rosa tampouco perseverou na sua identidade… Rosa conversou com sua mãe para deixar a exploração daqueles seres, se engajou no veganismo e alcançou um coração que muitos de nós só conhecerão através de lendas contadas por seres divinais em abduções estelares! Rosa e Mestre Pequeno Príncipe se salvaram mutuamente.

Ainda assim houve tempo em que as necessidades do corpo físico dele foram superiores ao alimento emocional que recebia, ao espiritual que dava propiciando despertares. E não havia entorno para as demandas novas que se apresentavam. Nem recursos. Ela então, com dor, pediu ajuda para que alguém o acolhesse. Aqui o amor supremo, o que mesmo que não estejamos no caminho de quem amamos, o indicamos para eles – porque sabemos que estarão melhores ali que conosco. Amor não pode aprisionar. Ou não seria amor. Amor liberta!… Mas quem acolheria um deficiente? Ambos conheceram rejeição. Nenhum deixou de ser amado.

Antes de o recebermos no Santuário, planejamos o encaminhamento dele no hospital veterinário da Universidade de Guarulhos, pensando em uma cirurgia ortopédica – ao passo que paralelamente estávamos em busca de rodinhas para seus sagrados pés, que tão brevemente tocaram o chão de nossa Mãe.

Logo na primeira noite internado o iluminado se debateu tão fortemente que se machucou. Seu comportamento do jeito que o conhecíamos por narração era ficção. Ali em sua residência temporária sequer conseguia ficar em pé. Não comia sozinho. Claramente entrou em depressão. Tristeza profunda. Assim é o amor entre os que pensam se separar. Mais tarde entenderiam que jamais poderão estar distantes porque amar costura o amado no amante a ponto de serem o mesmo tecido.

Os exames que se prolongavam à medida que seu quadro era detalhado em minúcia provocavam mais estresse e tristeza no abençoado. E os resultados eram conclusivos além da seara ortopédica. Irradiavam diagnósticos no campo neurológico. Indicavam falência gradual dos órgãos a curto prazo. Partiam nosso coração que já vinha sensível de outros que tentamos acolher no Vale da Rainha, mas que foram encaminhados ao Vale do Rei.

No processo dele recebemos o pedido de acolhimento de uma Mestra Cabra – e com empolgação comentei com o Vitor sobre a chance de receber uma vida nova já resgatada e saudável no Santuário. Ledo engano. Às vésperas da intervenção cirúrgica de Mestre Pequeno Príncipe a abençoada teve hemorragia interna! Isto não foi publicado na ocasião, pois a dor nos testava a lucidez a ponto de mantê-la somente conosco – com o intento de não propagar o sofrimento daqueles dias além do que era possível suportar ser dito, ser ouvido. Tempos de luta.

Paralelo a isto, nosso iluminado sucumbia no próprio diagnóstico. E nós mesmos sucumbíamos em nossas sombras escuras que sugerem impotência – na tristeza dos que não têm nome nem atendimento, dos que partem anônimos e desconhecidos. Sem colo, sem rezo. Dos que sequer tomam o leite que foi feito para eles. Ou que passam tempo com suas mães. A dor das mães que repetidamente vivem a separação de seus filhos. E a dos filhos que são órfãos de mães vivas!

Dentro de nós a faca afiada da cobrança que cada um faz consigo sobre os milagres de Deus que poderia ter operado, dos feitos dos super heróis dos contos! Das coisas que se sonha realizar, mas que se refreiam neste mundo por as termos bloqueado muito antes de seu nascimento, ainda na gestação. Fazemos isto quando tomamos leite, quando comemos queijo por exemplo. Nós impedimos finais felizes. Abortamos o filho de outros. Mas depois de terem nascido. Nós os matamos. Nos bastidores da produção histórias de horror que jamais seriam contadas – se seres como nosso Mestre Pequeno Príncipe não tomasse o tempo para deixarem seus planetas e brevemente nos visitarem.

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Mestre Pequeno Príncipe viveu seus últimos dias cuidado e zelado, rezado e amado. Como foi toda sua vida. Mas ali existia a promessa de uma vida nova. Que se cumpriu. Não como nós havíamos pensado, mas como a vida em si pensou. Nós todos sabemos que a vida não se opõe à morte, nem ao nascimento. A vida segue depois do nascimento, como segue depois da morte.

A vida que segue aqui já não é a mesma. A breve passagem dele em nossas vidas ditou muitas reflexões – uma delas sendo como estamos exatamente no lugar onde devemos estar. Se Rosa estivesse pela vida fazendo o que quer que fosse, em outra cidade por exemplo, não teria Mestre Pequeno Príncipe contado sua história. Nem nos transformado através do impacto das reflexões que nos deixou. Parece que cada um cumpre um propósito – sem imaginar que isto seja um privilégio para nossa espécie, tão iludida em ser imagem e semelhança, apegada a formas, sem considerar que somos todos iguais em espírito! Embora não estejamos aptos a compreender o propósito, aqui no Santuário, somos reverentes dele. Pois é evidente que os desdobramentos são tecidos cuidadosamente, indicando ordem no caos.

Esta é a fé que nos move de um resgate ao outro, sem jamais sabermos o fim da história. Mas sabendo que ela contada poderá mudar outras vidas, através das mudanças que permitimos em nós. Como a Rosa mudou. Como nós mudamos. Porque se a gente sente a dor de quem amamos, a gente também morre a morte deles. Renascemos no mesmo corpo, mas com outro espírito. E assim permanece em nós quem já entre outros está. Somos não somente nós mesmos, mas quem passou por nós.

Embora tenhamos que lidar com nossas frustrações egóicas que queriam que ele sobrevivesse para que pudéssemos conviver com ele, acreditamos que o melhor para todos aconteceu. Inclusive para ele. É hipotético dizer que conhecíamos suas dificuldades por simplesmente vê-lo. E é fato para nós que cada um recebe misericórdia divina. Por vezes isto significa viver aqui. Por outras viver acolá. Viver se vive sempre.

Seus cascos e chifres são brilho das estrelas em outras dimensões. Parecem existir, mas já se foram. São lembranças. Como estes cabelos nossos um dia serão. E quando estas formas se dissiparem como o vento sopra os grãos de areia ao infinito, nos reconheceremos nus debaixo destas roupas que chamamos de corpos. Realizaremos que um mesmo sopro rege todo o Universo – como é água o que constitui a onda. Como é água o que constitui o mar.

Talvez então nos abraçaremos, com braços de luz em espectros brilhantes que nos manifestaremos, agradecendo pela oportunidade de despertar que nossa presença mutuamente provocou em nós. Mestre Pequeno Príncipe incluído. E nos outros tantos que como nós começam a despertar por todas as partes.

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Um dia eu peregrinava na Tailândia, em uma cidade ao norte, rústica e auspiciosa. Na ocasião aprendia os Vedas com um monge que havia vivido retirado com seu mestre 30 anos na India. Tudo compunha um cenário místico e devocional que eu reverenciava enormemente. Ao final destes estudos agradecia o professor por devotar seu tempo a me ensinar. Ele sempre sorria e calava. Um dia, depois do meu agradecimento, ele me disse que honramos o professor quando aprendemos a lição. Informação não é aprendizado. Conhecimento é revolução. Transformação. Assim permanece o professor, através do ensinamento. Que atravessa a eternidade. E vive em gratidão.

Mestre Pequeno Príncipe não passa em vão. Ele é a história dos invisíveis que escapam rótulos e sequer estão em letrinhas pequeninas. Aqui revelamos o que está dentro dos potes de laticínios e leite. Vidas. Vidas abreviadas, despedidas precoces. Mortes prematuras.

Seres como nosso Mestre já expiaram demais, inclusive facilitando curas para os que os amaram. Como bicho gato morre com a doença que o tutor se curou! Mestre Pequeno Príncipe curou a Rosa do sono. Que tenta acordar sua mãe. E todos nós tocados por esta história também podemos despertar. E despertar outros. Mas sem a pretensão de fazê-lo. Como alguém que solenemente conta uma história. Uma história de amor! E por encantamento deixa sobre quem a escuta a mágica sedutora do próprio sentimento – que conduz no Mistério almas da escuridão à luz!

Gratidão por nos elevar, Mestre Pequeno Príncipe. Perdão por não termos feito o suficiente. Nós te amamos para sempre – em cada estrela que ri. E nos alegra por termos conhecido você.

“Eis o meu segredo, é muito simples: só se vê bem com o coração.” 
O Pequeno Príncipe